Enfocamos aqui o aspecto formal de Estado – a questão
monarquia X república – que costuma ser discutido a partir de um ponto de vista
mais emocional que racional. O debate gira em torno de argumentos ad hominem. Uns poucos ocupantes de tronos reais de reputação
duvidosa são enumerados e apresentados como demontrativos característicos da
monarquia. Os defensores da monarquia não fazem melhor. Apontam políticos
profissionais corruptos, dos quais existe um número suficiente, e proclamam que
tais são um resultado inevitável da constituição republicana. Nenhum dos dois
argumentos é racional. Sempre houve monarquias boas e más, repúblicas boas
(como a Suíça) e outras que estão longe de equiparar o mesmo padrão.
Toda
instituição humana tem, a princípio, bons e maus aspectos. Enquanto este mundo
for habitado por homens, e não por anjos, crimes e erros continuarão a ocorrer
. . . Republicanos são afeitos ao reclame de que o regime monárquico subentende
o poder da aristocracia. Monarquistas, por outro lado, enumeram as dificuldades
econômicas, as cargas tributárias e a interferência do Estado na vida privada,
nas repúblicas atuais, e comparam tal estado de coisas com a liberdade e o bom
andamento econômico ocorrentes nas monarquias de pré 1914. Nem um nem outro
argumento é convincente. Ambos recorrem ao velho artifício midiático de
comparar resultados oriundos de causas completamente diferentes. Quem seja
honesto comparará monarquias atuais com repúblicas atuais, tornando, assim,
evidente que a aristocracia hereditária não ocupa nas monarquias maior parcela
das posições de comando que nas repúblicas, e que todos esses estados, qualquer
que seja sua forma de governo, são igualmente afetados pelos sérios problemas
de nossos dias.
Republicanos
costumam, também, aduzir que a monarquia é uma forma de governo pertencente ao
passado, ao passo que o republicanismo é algo do futuro. Basta um ligeiro
conhecimento de história para refutar tal argumento. Ambas as formas existem
desde tempos remotos (embora os períodos monárquicos tenham-se geralmente
prolongado consideravelmente mais que os republicanos). Em termos de exemplos,
seria um contra-senso considerar instituições como as que vigoraram outrora na
velha Grécia, Roma e Cartago, como formas de governo do futuro.
Em termos
de discussão objetiva, devemos também pôr essa questão em seu devido lugar, em
nossa hierarquia de valores. Não é por acaso que falamos de uma “forma” de
governo. Há uma grande diferença entre a “forma” e o “conteúdo” – ou propósito
– do estado. Este último é sua essencial raison d’etre, seu verdadeiro espírito. O anterior corresponde à forma corpórea de
uma existência viva. Um não pode, certamente, viver sem o outro, mas em uma
lúcida hierarquia de valores o espírito ocupa um lugar mais alto que o corpo.
O propósito
essencial do estado, seu “conteúdo”, é enraizado numa lei natural. O Estado não
é um fim em si mesmo; ele existe em prol de seus cidadãos. Ele não é, portanto,
a fonte de toda lei (conceituação, no entanto, ainda amplamente aceita), nem é
todo-poderoso. Sua autoridade é circunscrita aos direitos de seus cidadãos. Ele
é livre somente para atuar nos campos que estão fora da livre iniciativa dos
mesmos. O estado sempre é, portanto, o servidor da lei natural. Sua função é
dar efeito prático a essa lei, e nada mais.
Se a
missão do Estado é a realização prática de uma lei natural, a forma de governo
é um meio pelo qual a comunidade procura alcançar este objetivo. Não é um fim
em si mesma. Isto explica a importância relativamente subordinada de sua
questão geral. Sem dúvida, é de muita importância a escolha dos meios certos,
desde que tal escolha vá determinar se o fim está ou não sendo alcançado. Mas a
única coisa permanente na vida política é a lei natural. A busca de realizar
tal lei na prática terá frequentemente que levar em consideração as
circunstâncias localizadas. Falar numa forma de governo eternamente válida,
justa em quaisquer circunstâncias, demonstra ignorância e presunção.
A partir
disto, conclui-se que é infrutífero tentar determinar – sobretudo a partir de
falsas premissas filosóficas – o valor objetivo de uma ou outra forma de
governo. A discussão só será fruitiva se nós tivermos em mente a finalidade que
qualquer forma é designada a servir. Esta não é, portanto, uma questão de se
investigar que valor associaremos às monarquias ou às repúblicas, como tal. O
que temos de perguntar a nós mesmos é que forma oferece as melhores chances de
salvaguardar a lei natural, dentro das condições atuais.
Uma vez
esclarecido este ponto, podemos passar a dois outros problemas, que têm sido
frequentemente introduzidos nesta discussão e ameaçam envenenar a atmosfera
geral. Há constante controvérsia sobre a relação entre monarquismo,
republicanismo e democracia. Aqui nos deparamos novamente com o turvo
pensamento característico da nossa era de slogans
e propaganda. O conceito de democracia tornou-se infinitamente elástico. Na
Rússia, tal é compatível com liquidações em massa, polícia secreta e campos de
trabalho. Na América, por outro lado – e ocasionalmente na Europa – teóricos
políticos são frequentemente inábeis para distinguir entre republicanismo e
democracia. Além disso, ambas as palavras são usadas para designar concepções e
características que fogem ao campo da política e pertencem à esfera econômica e
social. Deve, por conseguinte, ficar claro que, falando em termos gerais,
democracia quer dizer o direito do povo de participar na determinação de seu
próprio desenvolvimento e futuro.
Se
aceitamos tal definição, veremos que nenhuma das duas formas clássicas de governo
é, por natureza, ligada à democracia. Democracia pode existir dentro de ambas
as formas, assim como existem tanto repúblicas quanto monarquias autoritárias.
Os monarquistas, realmente, costumam considerar as funções da democracia melhor
dentro de uma monarquia que numa república. Se olharmos para a Europa atual,
há, certamente, alguma verdade nesse argumento, embora sua validade possa
restringir-se a tempo e espaço. Ao mesmo tempo, é preciso observar afora que em
pequenos estados que estão fortemente enraizados em suas tradições, tal como a
Suíça, democracia e republicanismo podem coexistir com sucesso.
Ainda mais
acalorada é a discussão de monarquismo e socialismo, e republicanismo e
socialismo. Isto se deve, em grande parte, ao fato de que nos países de língua
alemã a grande maioria dos partidos socialistas oficiais são republicanos por
condição. Nisto percebemos, entre mentalidades estreitas e pouco preparadas, a
crença de que socialismo e monarquismo são elementos incompatíveis. Tal
conceito funda uma confusão básica. Socialismo – ao menos em sua forma atual –
é essencialmente um programa econômico-social. Nada tem a ver com forma de
governo. O republicanismo desse partidos socialistas não emana de seus
programas efetivos, mas satisfaz às crenças particulares de seus líderes. Isto
é demonstrado pelo fato de que a maior parte da realmente poderosa Europa
socialista não é republicana, mas monarquista. É este o caso na Grã-Bretanha,
na Escandinávia e na Holanda. Em todos esses países encontramos não apenas
excelentes relações entre a Coroa e os socialistas, como também a ninguém
poderá escapar a impressão de que uma monarquia provê um melhor lastro para os
partidos trabalhistas que uma república. Um dos grandes líderes do Partido
Trabalhista Britânico explicou isto como a influência equilibrante e moderadora
da Coroa, que dá condições aos socialistas de conduzir seu programa com mais
vagar, mais prudência, e, a partir disso, com maior sucesso. Ao mesmo tempo, um
dirigente erguido sobre os partidos representa uma satisfatória salvaguarda
para a oposição, tal que não é necessário recorrer a meios extremos para
recuperar poder. O partido pode aguardar mais calmamente os desenvolvimentos.
Seja isto
verdade ou não, os fatos comprovam que não faz sentido desenhar uma linha
divisória artificial entre monarquismo e socialismo, ou entre monarquismo e
democracia clássica. O mesmo se aplica ao republicanismo. Outro ponto merece
ser mencionado. Trata-se da frequente confusão, em particular em meio àqueles
não versados em ciência política, entre monarquia como forma de governo e uma
ou outra dinastia monárquica; em outras palavras, a confusão entre monarquismo
e legitimismo.
Legitimismo,
um laço especial com uma pessoa ou uma dinastia, é algo que sempre será custoso
discutir em termos razoáveis e objetivos. É uma questão de sentimento
subjetivo, e, portanto, advogado ou contestado por argumentos ad hominem. Uma discussão racional sobre problemas correntes deve,
portanto, fazer clara distinção entre monarquismo e legitimismo dinástico. A
forma de governo de um Estado é um problema político. Deve, por conseguinte,
ser discutido independentemente de família ou pessoa que esteja ou estivesse à
cabeceira do estado. Nas monarquias sempre houve mudanças dinásticas. Por
princípio, a instituição tem maior importância que seu representante; este
último é mortal, ao passo que a anterior, em termos históricos, é imortal.
Observar
uma forma de governo meramente com o olhar voltado ao seu representante leva a
resultados grotescos. Neste caso, as repúblicas teriam de ser julgadas em bases
não políticas, mas de acordo com as características de seus presidentes. Isto
seria, evidentemente, o cúmulo da irretidão.
Vale
acrescentar que entre os protagonistas do monarquismo na Europa republicana há
relativamente poucos legitimistas. O Rei Afonso XIII da Espanha citou, certa
vez, que o legitimismo não sobreviveria uma geração. Isto é importante onde há
uma tradicional forma de governo fortemente estabelecida, com a qual a maioria
dos cidadãos se sentem satisfeitos. Mas esta espécie de legitimismo pode
fundamentar-se tão bem em repúblicas quanto em monarquias. Alguém
pode falar de legitimismo republicano na Suíça e nos Estados Unidos, tal como
outro pode falar em legitimismo monárquico na Grã-Bretanha e na Holanda. Em
mais países da Europa, tem havido, sem dúvida, muitas mudanças profundas no
curso de séculos em que o legitimismo ocorreu em menor frequência. Em tais
condições, é particularmente perigoso recorrer a argumentos emocionais.
Estamos
agora numa posição de definir o que entendemos a cerca de monarquia e
república. Monarquia é aquela forma de governo na qual o cabeça do Estado não é
eleito, que funda seu cargo numa lei mais alta, associada ao princípio de que
todo poder origina-se de uma fonte transcendental. Numa república, o mais alto
cargo estatal é eletivo, pelo que sua autoridade deriva de seus eleitores, isto
é, de um grupo particular que o elegeu.
Deixando
de lado considerações puramente emocionais, há bons argumentos para essas duas
formas básicas de governo. Os mais importantes argumentos em favor do
republicanismo podem resumir-se nos seguintes: Em primeiro lugar, as repúblicas
são, com poucas exceções, seculares. Elas não requerem apelo divino algum para
justificar sua autoridade. Sua soberania, a fonte de sua autoridade, deriva do
povo. Em nosso tempo, em que se rejeita cada vez mais os conceitos religiosos,
ou, no mínimo, se os lega ao domínio da metafísica, conceitos constitucionais
seculares e uma forma de governo secular são mais facilmente aceitáveis que uma
forma enraizada, em última estância, em ideias teocráticas. É, por conseguinte,
também mais fácil para uma república adotar uma versão secular dos Direitos
Humanos. A vantagem que tal forma de governo oferece apareceria, portanto, como
o fato de estar em sintonia com o espírito do nosso tempo, e, por extensão, com
a grande massa populacional.
Em
acréscimo, a escolha do cabeça de Estado não depende de um nascimento
ancestral, mas da vontade do povo ou de uma elite.
O término do cargo presidencial é marcado. O presidente pode ser removido, e se
ele é incapaz, é fácil substituí-lo. Ele próprio é um cidadão comum, ele está
em sintonia com a vida real. E é de se esperar que, com uma educação melhor, as
massas tornar-se-ão, gradualmente, mais capazes da escolha do homem certo. Numa
monarquia, por outro lado, uma vez que um mau chefe tenha ascendido ao trono, é
quase impossível removê-lo sem derrubar completamente o regime. E ultimamente
tem sido argumentado que qualquer cidadão pode, ao menos teoricamente,
tornar-se presidente, o que estimula um senso de responsabilidade política e
ajuda a população a alcançar maturidade política. O caráter patriarcal de uma
monarquia, por outro lado, leva os cidadãos a apoiarem-se em seu chefe, e a passar
toda a responsabilidade política às suas costas.
Em favor
do monarquismo, os seguintes argumentos podem ser colocados: A experiência
demonstra que reis geralmente conduzem melhor, e não pior, que presidentes. Há
uma razão prática para isto. Um rei nasce em seu cargo. Ele cresce nele. Ele é,
na mais precisa acepção da palavra, um “profissional”, um expert no campo do ofício estatal. Através de sua vida, o expert plenamente qualificado é mais arrazoado que o amador,
ainda que brilhante. Particularmente, em caso de dificuldade, assunto
extremamente técnico – e o que é mais difícil que um Estado moderno? –
conhecimento e experiência têm mais peso que o puro brilhantismo. Existe,
certamente, o perigo de um incompetente suceder ao trono. Porém não foi um Hitler
escolhido como líder, e um um Warren Harding eleito presidente? Nas monarquias
clássicas da Idade Média, era ao menos possível substituir um sucessor ao trono
obviamente incapaz por um mais adequado. Só com decadência do monarquismo, na
fase do despotismo da corte de Versailles, é que esse recurso corretivo foi
descartado. Nada seria mais apropriado a uma monarquia moderna que a
instituição de um tribunal judicial que possa, se necessário, intervir para
alterar a ordem de sucessão ao trono.
Mais
importantes que as qualificações “profissionais” do rei é o fato de que ele não
está atado a nenhum partido. Ele não deve sua posição a um corpo de eleitores
ou ao suporte de interesses poderosos. Um presidente, por outro lado, é sempre
devedor de alguém. Eleições são dispendiosas e difíceis de concorrer. O poder
do dinheiro e as grandes organizações de massa geralmente se fazem sentir. Sem
sua ajuda, é quase impossível alguém tornar-se cabeça de Estado de uma
república. Tal suporte não é, de modo algum, concedido a troco de nada. O
cabeça de Estado permanece dependente daqueles que o ajudaram na ascensão ao
comando. Por consequência, o presidente não é mais o presidente de um povo
todo, mas apenas daqueles grupos que o ajudaram a alcançar o cargo. Desse modo,
partidos políticos ou grupos de interesse econômico podem controlar as mais
altas patentes do Estado, que não mais pertencem à totalidade da população,
mas, temporária ou permanentemente, ao domínio privilegiado de um ou outro
grupo de cidadãos. Existe, então, o perigo de uma república deixar de ser a
guardiã dos direitos de todos os seus cidadãos. Isto – costuma-se frisar entre
monarquistas – é particularmente perigoso em nosso tempo. Hoje os direitos de
grupos individuais e minoritários corre perigo maior que em todas as épocas
precedentes. Concentrações de poder financeiro e amplas e poderosas
organizações são em geral ameaças ao “homem pequeno”. Particularmente numa
democracia, ele tem grande dificuldade de obter atenção, uma vez que o setor
populacional do qual faz parte não tem como organizar-se facilmente, e não tem
grande importância econômica. Se o mais alto pináculo do Estado é manipulado em
prol de partidos políticos, o desfavorecido não terá a quem recorrer por ajuda.
Um dirigente monárquico, ou, por outra – o assim denominado – é independente, e
votado imparcialmente a todos os cidadãos. Suas mãos não estão atadas ante
algum poder; ele pode proteger os direitos do menos favorecido. Especialmente
numa época de profundas transformações econômicas e sociais, esta é a maior
importância que o cabeça de Estado precisa estabelecer acima dos partidos . . .
E,
concluindo, a Coroa proporciona à vida política a estabilidade, sem a qual não
se pode resolver grandes problemas. Numa república a firmeza dos alicerces é
falha. Quem quer que esteja no poder tem de alcançar um sucesso positivo no
mais curto espaço de tempo, sem o que não será re-eleito. Isto leva a políticas
de alcance limitado, que não serão capazes de fazer frente a problemas de
abrangência histórica mundial.
Há mais um
ponto a considerarmos, antes que possamos responder a questão de qual forma de
governo melhor servirá à comunidade no futuro. Falando em termos gerais,
repúblicas democráticas representam um regime dominado pela legislação, ao
passo que regimes autoritários são dominados pelo executivo. Há muito tempo que
o poder judiciário não retém a primazia, como temos constatado. Ele funda sua
expressão original nas monarquias Cristãs. É frequentemente esquecido o fato de
que o dirigente honesto tem sido sempre o guardião da lei e da justiça. Os mais
antigos monarcas – os reis da Bíblia – originaram-se das fileiras dos juizes.
São Luiz de França observou a administração da justiça como sua mais nobre
tarefa. O mesmo princípio pode ser visto nos muitos “Palatinados” alemães,
desde quando o Conde Palatino (Palatinus)
foi o guardião
da lei e da justiça delegado pelo Rei-Imperador. A história das grandes
monarquias medievais mostra que o poder legislador do rei – mesmo de um rei tão
poderoso quanto Carlos V – era rigorosamente limitado por autonomias locais. O
mesmo vale para as funções executivas. Ele não era, em princípio, um
ministrador de leis ou cabeça do executivo; ele era um juiz. Todas as outras
funções eram subordinadas, e exercidas apenas na medida necessária para
efetivar sua função judicial.
A razão
para tal arranjo institucional é clara. O juiz tem de interpretar o significado
da lei e da justiça, e para fazê-lo, tem de ser independente. É essencial que
ele não deva sua posição e função a homem algum. O supremo juiz, enfim, tem de
estar em sua posição. Isto só é possível numa monarquia. Numa república, até o
mais alto guardião da lei recebe sua posição de alguma outra fonte, pela qual é
responsável ou da qual permanece, em certo grau, dependente. Este não é um
estado de coisas satisfatório. Seu mais importante encargo não é adjudicar em
disputas legais ocorrentes, mas manter a guarda sobre o propósito do Estado e
da lei natural. Acima de tudo, a função do juiz supremo é cuidar para que toda
a legislação esteja de acordo com os princípios fundamentais do Estado, isto é,
com a lei natural. O direito monárquico de vetar a legislação, tramitando no
parlamento, é uma reminiscência dessa função antiga…
A futura
forma de Estado será algo totalmente novo, algo que representará princípios de
validade eterna, na forma apropriada ao futuro, sem os erros do passado…
O caráter
hereditário da função monárquica não encontra sua justificação apenas pela
educação “profissional” do herdeiro do trono. Também não se trata somente de
uma questão de continuidade no cume da hierarquia política, embora tal
continuidade seja altamente desejável, em se tratando de uma questão de
planejamento para gerações futuras. Sua mais fundamental justificação baseia-se
no fato de que o dirigente hereditário deve sua posição não a um ou outro grupo
social, mas somente à vontade de Deus. Tal é o verdadeiro significado da
frequentemente mal compreendida expressão “pela graça de Deus”, que sempre
significa um dever e uma missão. Seria um erro para o dirigente por graça de
Deus olhar a si próprio como um ser excepcional. Pelo contrário, as palavras
“Pela graça de Deus” devem lembrá-lo de que ele não deve sua posição a seus
próprios méritos, mas que precisa provar sua competência por incansáveis
esforços em prol da justiça.
Assim como
há muito a dizer sobre a transmissão hereditária da suprema posição do Estado,
há também um sério inconveniente, já mencionado. Se a sucessão ocorre
automaticamente, existe a possibilidade de ser o trono ocupado por um
incompetente. Este é o grande perigo do sistema monárquico. Por outro lado,
este perigo data apenas do período em que se estabeleceu o legitimismo
inflexível de Versailles, e as salvaguardas existentes, de um ou de outro modo,
nas monarquias mais clássicas desapareceram. Tais salvaguardas deveriam,
portanto, ser instituídas nas futuras constituições monárquicas. Seria um erro
legar tal função a corpos políticos, o que equivaleria a abrir a porta aos
interesses privados. A decisão deve ser legada a um tribunal judicial. O rei,
como o mais alto juiz constitucional do Estado, não pode exercer sua função num
vácuo. Ele terá de ser assistido por um corpo representativo da autoridade
judicial suprema, do qual ele constitui a cabeça. É tal corpo que determinaria
se uma lei ou um regulamento é constitucional, ou seja, compatível com o
propósito do Estado. Quando morre o dirigente, outro juiz continuará em função. O dever desse
corpo seria confirmar a adequação de herdeiro presuntivo, e, se necessário,
substituí-lo pelo próximo na linha sucessória.
A
atividade do cabeça de Estado será, com certeza, transportada ao campo
exclusivamente judicial. Ele terá de controlar o executivo, pois seu dever é
cuidar para que as decisões do poder judiciário sejam postas em prática. Não
obstante, todas essas tarefas ficarão em plano secundário. É em sua junção
judicial que um monarca do Século 20 encontrará sua principal justificação.