sábado, 31 de agosto de 2013

Visconde de Ouro Preto




Visconde de Ouro Preto

Seguramente estão vivas na lembrança do público as circunstâncias em que aceitei o poder no dia 7 de junho do corrente ano. Convém, porém, recordar em rápida resenha os atos desse ministério que durou apenas cinco meses e poucos dias. Explorando os interesses contrariados pela abolição da escravidão, chegara a propaganda republicana ao maior auge, conquistando dia a dia novos prosélitos, especialmente nas classes da lavoura e do comércio, mais diretamente prejudicadas por aquele grande ato. As demais classes importante do país também se mostravam possuídas de profunda descrença ou completo desânimo. O Partido Conservador, de posse do governo desde 1885, fracionara-se em dois grupos, que depois de se hostilizarem cruamente se confessaram impotentes para dirigir os negócios públicos.
Tal era, em resumo, a situação quando a confiança da Coroa, confirmando a indicação do meu partido, conferiu-me a missão de organizar o gabinete. Apresentei-me ao Parlamento com um programa francamente democrático, comprometendo-me a realizar reformas liberais, que inutilizassem virtualmente a propaganda republicana e, de par com elas, melhorassem as condições econômicas e financeiras do país. A repulsa formal da Câmara dos Deputados, em sua grande maioria composta de adversários, posto que nada mais lhe pedisse além dos meios indispensáveis de governo, obrigou-me a dissolvê-la, convocando eleições para dia 31 de agosto passado.
Sem a menos violência, sem se socorrer dos meios de corrupção, o gabinete de 7 de junho triunfou nas eleições, reunindo imensa e lustrada maioria na Câmara dos Deputados. O programa de reformas políticas e administrativas, na forma de projetos, seria submetido ao Parlamento logo no primeiro dia útil das sessões legislativas. Tais projetos, convertidos em lei, imporiam silêncio à propaganda republicana, demonstrando praticamente que sob a monarquia constitucional representativa pode operar-se a máxima descentralização administrativa, com a maior expansão de todas as liberdades e garantias.
Batidos nas urnas, pois apesar da aliança com o Partido Conservador não conseguiram eleger senão dois deputados, os republicanos apelaram, como recurso extremo, para uma sedição militar. E ele fez-se, e triunfou em presença da nação, tomada de surpresa, e depois coagida pelas violências praticadas para conservar o poder.
O império não foi a ruína. Foi a conservação e o progresso. Durante meio século manteve íntegro, tranqüilo e unido território colossal. O império converteu um país atrasado e pouco populoso em grande e forte nacionalidade, primeira potência sul-americana, considerada e respeitada em todo o mundo civilizado. O império aboliu de fato a pena de morte, extinguiu a escravidão, deu ao Brasil glórias imorredouras, paz interna, ordem, segurança e, mas que tudo, liberdade individual como não houve jamais em país algum. Quais as faltas ou crimes de D. Pedro II, que em quase cinqüenta anos de reinado nunca perseguiu ninguém, nunca se lembrou de uma ingratidão, nunca vingou uma injúria, pronto sempre a perdoar, esquecer e beneficiar? Quais os erros praticados que o tornaram merecedor da deposição e exílio quando, velho e enfermo, mais devia contar com o respeito e a veneração de seus concidadãos?
A República brasileira, como foi proclamada, é uma obra de iniqüidade. Se não tenho completamente obliterado o parco entendimento que Deus me concedeu, não é infundada a convicção de que não perdurará. A República se levantou sobre os broquéis da soldadesca amotinada, vem de uma origem criminosa, realizou-se por meio de um atentado sem precedentes na História e terá uma existência efêmera. Nada significam as adesões que apregoa surgirem de todos os pontos do império. Originam-se do terror ou partem da multidão interesseira dos descontentes da situação decaída e daqueles que, ainda em maior número, esperam lucrar com a que se inaugurou – massa flutuante que adere a quem pode, no momento, fazer o mal ou distribuir favores. Devorar-se-ão entre si os que se aliaram para dominar o país, contra o voto e por ele solenemente expresso de manter as instituições que o regiam. Ou prevalecerá a caudilhagem militar, sacrificadas as liberdade cívicas, como em quase todos os Estados sul-americanos. Ou o Exército será vítima dos demagogos de que se fez instrumento. Uma nação de homens livres não suportará por muito tempo tão intolerável regime. Dissipado o assombro de que foi tomada, a nação reagirá, impondo sua vontade soberana.

A Monarquia Parlamentar é o melhor para o País

Por Mário Henrique Simonsen 

Muito do que vai acontecer no Brasil neste final de Século, assim como nos primeiros vinte anos do Século XXI, depende do resultado do plebiscito marcado para 21 de Abril de 1993. É importante que a população vote conscientemente nessa consulta realmente fundamental para o país, não a confundindo com a escolha entre duas marcas de sabonete ou de pasta de dentes. É importante que a imprensa discuta mais a fundo o tema, em vez de dar tanta dramaticidade ao dia-a-dia capenga do governo Itamar Franco. De minha parte gostaria de justificar a opção pela monarquia parlamentarista.

De início, presidencialismo, no Brasil, não é democracia, mas uma ditadura de prazo determinado. É incrível que, em 16 de março de 1990, Fernando Collor tenha seqüestrado 80% dos ativos financeiros da população brasileira, confiscando boa parte deles com vetores e incidências de IOF, e o Congresso, o Judiciário, a imprensa e as lideranças civis e militares tenham ficado de boca calada. A passividade com que a sociedade brasileira encaixou o ippon presidencial, que na realidade nada mais era do que um golpe baixo, provou um fato inequívoco: somos um povo sem noção do que sejam cidadania e direitos individuais. Dois anos e meio depois a sociedade vingou-se dessa e de outras travessuras do nosso Till Eulenspiegel da política com o processo de impeachment. É igualmente incrível que o vice-presidente Itamar Franco, em quem ninguém votou, possa virar de cabeça para baixo todo o programa de modernização do governo Collor, colocando mais uma vez o Brasil na contramão da História. Itamar não é o primeiro vice-presidente a perpetrar essa façanha de se transformar na antítese do presidente. Café Filho e, sobretudo, João Goulart foram eméritos predecessores

Collor e Itamar são o exemplo mais recente do que significa o presidencialismo no Brasil. Só que repetem uma história de instabilidade há muito conhecida, já que desde 1945 só um presidente civil conseguiu concluir seu mandato: Juscelino Kubitschek. A moral da história é que presidencialismo, no Brasil, só deu certo com presidentes militares. Como a democracia não pode reservar a presidência para os generais, conclui-se que no Brasil ela não é compatível com o presidencialismo.

O principal mérito do regime parlamentar é que, ao dissociar a figura do chefe de Estado da de chefe de governo, torna possível uma condição ideal: a de que o governo dure enquanto for bom, substituindo-se sem traumas no momento em que deixar de bem servir. Um bom gabinete pode durar dez ou vinte anos e só será substituído quando os representantes do povo dele estiverem cansados. Provavelmente a melhor organização do parlamentarismo é o sistema alemão. Ele se baseia no voto distrital misto. Metade dos deputados é eleita por distritos, que dividem geograficamente o país. Cada distrito, uma aglomeração de municípios dentro de um Estado ou uma subdivisão de um grande município, elege um único representante para a Câmara. A outra metade é de deputados nacionais, eleitos a partir de listas partidárias. Trata-se, de fato, de deputados biônicos. O eleitor não vota, nominalmente, em nenhum deles, mas apenas na legenda partidária. Conforme o número de votos, cada partido elege um certo número de deputados nacionais. Além disso, o sistema alemão estabelece uma exigência de desempenho partidário: um partido político perde todos os seus votos se não conseguir eleger 5% da Câmara. A vantagem do sistema é que ele força a fidelidade partidária, identifica o eleitor com o eleito na representação distrital e desestimula a formação de uma constelação caótica de pequenos partidos, como existe no Brasil.

Resta discutir por que a opção pela monarquia em vez da república. A razão é simples. Na opção republicana, das duas uma: ou o presidente é eleito indiretamente, como na Itália e na Alemanha, ou diretamente, como na França e em Portugal. A eleição indireta é a única que se afina com a lógica do regime parlamentar. O defeito é que ela tira qualquer realce à figura do chefe de Estado, transformando-o num funcionário público que se renova a cada cinco anos, ou período semelhante. Já a eleição direta confronta o chefe de Estado com o de governo: qual a legitimidade do primeiro-ministro, eleito com 350 votos, diante de um presidente da República aclamado por 35 milhões de votos populares? Trata-se de um sofisma aritmético, mas que causa incríveis danos políticos. A verdadeira resposta é que 35 milhões de votos numa eleição com voto obrigatório e dois turnos significam apenas o que o conselheiro Acácio está farto de saber: que o primeiro colocado teve mais votos que o segundo. De fato, a eleição direta, no caso, é um resquício do parlamentarismo francês, criado por De Gaulle à sua imagem e semelhança. No Brasil, parlamentarismo com eleição direta para presidente é a certeza da repetição da década de 60, quando o plebiscito de 1963 determinou o retorno ao presidencialismo.

A monarquia oferece o ponto de equilíbrio entre os dois modelos republicanos, o que elege o Presidente diretamente e o que o elege indiretamente. O Rei é a alternativa entre o Presidente emasculado e o Ditador potencial. O que se exige do Rei é que ele represente com dignidade o Estado. Seus poderes, evidentemente, devem ser limitados como em qualquer monarquia moderna. E o soberano deve ser o guardião dos símbolos e das tradições nacionais.

A vantagem é que, para desempenhar essa função, o Rei não precisa disputar verbas eleitorais nem se comprometer com sindicatos ou grupos econômicos. Está imune às tentações da corrupção. O que se pede do Rei é decoro, o que possivelmente exige muitos sacrifícios da família real, a julgar pelos acidentes na Casa de Windsor. Esse, naturalmente, é o preço que a realeza deve pagar pelo seu status e pelas suas despesas de representação.

(* Artigo originalmente publicado na Revista Exame de 06/01/1993)