terça-feira, 15 de outubro de 2013

Da Perversão do Estado pelo Governo



DA PERVERSÃO DO ESTADO PELO GOVERNO
Ezequiel Novais Neto*

Nós, brasileiros, estamos acostumados a associar Estado e Governo como sendo a mesma coisa, visto que a chefia de um e de outro são exercidas pela mesma pessoa em nossa república presidencialista. Contudo, são coisas completamente diferentes, pela própria natureza de suas atribuições. O Estado é um conjunto de instituições e mecanismos que permitem a existência e a vida de uma Nação, tendo um caráter permanente, e suas funções devem se fazer sempre presentes, não importando a orientação político-partidária do governo então atuante. Em contraste com a perenidade do Estado, o Governo deve ser transitório, por representar um conjunto de visões de uma maior ou menor parcela da população em certo momento, reagindo a necessidades, desafios e idéias vigentes naquele período histórico. Assim, um governo será de direita ou esquerda, priorizará o capital ou o social em conformidade com as legítimas aspirações da população naquele tempo; enquanto o Estado será sempre o mesmo, garantindo as próprias estruturas que permitem ao Governo agir e o legitimam. Basicamente, entre as funções de Estado, estão o poder de nomear e demitir o Executivo e o Legislativo, o poder de nomear os representantes do Supremo Tribunal, a Chefia Suprema das Forças Armadas, o poder de sancionar e vetar leis e o poder de solicitar a manifestação do Povo quanto às leis, via plebiscitos e referendos. Uma infiltração do Estado pelo Governo só poderá trazer prejuízos às instituições e riscos à democracia e, infelizmente, é o que está acontecendo no Brasil.

Podemos começar com o caso mais recente, que foi o julgamento dos chamados embargos infringentes pelo Supremo. O resultado final favoreceu as petições dos réus, gerando revoltas e sensação de impunidade. Examinemos, porém, tal situação com a mente aberta, considerando, mesmo que por um único segundo, que os julgados possam ser inocentes. Se assim for, justiça foi feita, não? Sim, mas sempre pairará a sombra da dúvida sobre a idoneidade e a legitimidade de tal julgamento, porque nove dos onze ministros foram indicados pelos Chefes de Governo e de Estado, a presidente atual e o presidente passado, os quais são da mesma linhagem político-partidária dos julgados. Pior, entre os nove indicados estão pessoas que trabalharam diretamente para o partido da maioria dos réus, e não tiveram a honestidade de alegar suspeição para sair do julgamento. Este exemplo, por si, mostra a deturpação que existe quando uma função de estado, qual seja a execução da justiça em última instância, sofre influência do Governo. Resumindo, a indicação dos Ministros do Supremo por uma pessoa ligada a partidos políticos tirou toda a autoridade moral e legitimidade do julgamento em questão, demonstrando clara e cristalinamente a mácula da intromissão do Governo nos assuntos de Estado.

Outra função de Estado é a Chefia Suprema das Forças Armadas. No Brasil tal chefia suprema também é exercida pelo presidente, através do Ministro da Defesa. Embora a função última das Forças Armadas seja a defesa dos civis, a chefia de tal Ministério nas mãos de um civil não deixa de causar estranheza. É mais ou menos a sensação de ver um agrônomo dirigindo um hospital. Possível? Sim, mas inegavelmente inadequado e com altas chances de fracasso. Ministérios, longe de servirem de moeda de troca entre partidos e coligações, devem ser ocupados por pessoas que tenham real conhecimento, afinidade e habilidade para lidar com os espinhosos meandros do Governo na área em questão. Em sabendo que o atual Chefe de Estado/Governo teve um passado de, digamos, má relação com as Forças Armadas, ficará sempre a dúvida se o lastimável estado de coisas em que se encontra nossa estrutura de defesa não tem a ver com esse passado. Não seria talvez justo esperar do Chefe de Estado e do Ministro da Defesa uma formação mínima em assuntos militares? E hoje aqui estamos, com nossas defesas sucateadas. Isso em um país que no tempo do Império tinha a segunda marinha de guerra do mundo...

Também é função da Chefia de Estado a gestão das relações internacionais. Mais uma vez aqui percebemos o mal que surge quando o Governo se infiltra no Estado. Desgraçadamente, o Brasil, teoricamente um país democrático, tem apoiado formal e renitentemente as piores ditaduras do mundo. Não bastasse esse contrassenso, a própria soberania nacional tem sido agredida, como quando uma refinaria brasileira foi simplesmente ocupada, por um governante simpático a nossos atuais governantes. Nosso governo fechou os olhos para seu compromisso com o Brasil, e preferiu ficar ao lado de seus aliados ideológicos, contra a própria Nação. Enquanto o país carece de infra-estrutura, bilhões vão para Cuba. Brasileiros continuam morrendo de fome, e dívidas de ditaduras africanas são perdoadas enquanto os produtores nordestinos tem suas dívidas cobradas até o último ceitil. A nítida impressão que fica é que, para nosso Governo, os aliados ideológicos são mais importantes que o Brasil, e mais uma vez se configura a deformação que surge quando o Estado é gerido pelo Governo.

Assim, fica traçado um quadro desolador, corrupto e corruptor de nossas instituições. O Estado não pode ficar sob o jugo do Governo, nem de ninguém ligado a partidos. Só a Chefia de Estado apartidária poderá reverter a perversão do Estado pelo Governo...

*Ezequiel Novais Neto é médico endocrinologista e membro do Círculo Monárquico de Montes Claros