Por que não se cala?
Ezequiel
Novais Neto *
No dia 12 de novembro de 2007 um fato inusitado
sacudiu a imprensa internacional. Na 17ª Cúpula Ibero-americana, o tiranete
venezuelano, Hugo Chávez, começou a lançar acusações contra o ex-primeiro
ministro espanhol José María Aznar, chamando-o, entre outras coisas, de
fascista. Da maneira polida que compete aos líderes de países civilizados, o
atual chefe de governo espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, que, diga-se de
passagem, é adversário político de Aznar, esperou o bolivariano terminar de
lançar seus impropérios e tomou a palavra. Repreendeu educadamente o mandatário
venezuelano, lembrando-o que o acusado em questão, ausente no encontro, fora
representante escolhido democraticamente pelo povo espanhol e que seu governo
fora legítimo e, como tal, deveria ser respeitado. Contudo, nem todos os chefes
de nações primam pela polidez e Chávez continuava a soltar sua enxurrada
palavrosa quando aconteceu... O Rei Juan Carlos, o Chefe de Estado Espanhol,
abriu mão de sua tradicional fleuma e falou em alto e bom tom ao presidente da
Venezuela o que meio mundo queria falar há muito tempo: “Por qué no te callas?” (por que não se
cala?). Em seguida, abandonou o local.
O suposto
revolucionário teve de dormir com essa. Contudo, logo em seguida começou a
atacar a figura do Rei, dizendo-se mais legítimo que o Monarca (será?) por ter
sido eleito por três vezes. Há aqui uma deturpação assustadora de lógica
elementar. Ele pode criticar a seu bel-prazer um ex-líder, cujo mandato foi
democrático e nem estava presente para se defender. Porém, quando lhe chamam a
atenção diretamente, ele corre a exigir um pedido formal de desculpas. Há um
certo desequilíbrio aqui. As colocações do primeiro-ministro e do Rei foram no
sentido de exigir o devido respeito com o representante legítimo do povo
espanhol em um dado momento. E aqui no Brasil? Que vemos? Nosso presidente
resolve se pronunciar, dizendo que se houve um erro foi a presença do Monarca
espanhol, que ele não é um de nós (mas o encontro não era Ibero-americano?) e
que a Venezuela é um lugar muito democrático, pois lá houve muitos plebiscitos
e discussões. Nosso presidente, que nunca sabe de nada, deveria se lembrar de
que a Democracia não se restringe ao voto, embora este seja parte inseparável
daquela. Democracia Real, para existir, exige também a livre manifestação das
diferentes correntes de pensamento e uma efetiva independência entre os poderes
instituídos, quesitos que Venezuela não preenche de forma nenhuma. As
colocações de nosso presidente, simpáticas ao tiranete, não apenas mostram que
ele comunga os ideais de Chavez e tem certa, digamos, submissão a ele, mas
também alimentam o temor de que um dia ele possa resolver fazer o mesmo por
aqui...
No Brasil, já
tivemos um representante com essa coragem. Refiro-me a Dom Pedro II na Questão
Christie. Em 1862, marinheiros ingleses, bêbados e em trajes civis, provocaram
tumultos na Capital do Império. Foram então presos e, confirmada sua condição
de militares, liberados. O inábil e prepotente embaixador britânico William D.
Christie exigiu um pedido formal de desculpas e indenização dos valores
contidos em um navio que fora supostamente naufragado por brasileiros (O Prince
of Wales). No ano seguinte, o almirante Warren promoveu o apresamento de cinco
navios mercantes brasileiros. Diante do inimigo muito mais forte militarmente,
o Governo Imperial pagou, sob protesto, o valor exigido. Contudo, Dom Pedro II
solicitou o arbitramento internacional do Rei da Bélgica para a questão dos
marinheiros arruaceiros, exigiu uma indenização pelos navios apresados e um
pedido formal de desculpas pela invasão do litoral brasileiro. Face à resposta
negativa de Londres, cortou relações diplomáticas com a Inglaterra em 1863.
Nesse mesmo ano saiu o parecer favorável à posição brasileira. Somente quando o
Reino Unido enviou um pedido formal de desculpas ao Imperador, em 1865 e após o
início da Guerra do Paraguai, é que foram restabelecidas as ligações de
diplomacia entre as nações. O ato de Dom Pedro II seria o equivalente a nosso
presidente cortar relações com os Estados Unidos hoje. Desde a proclamação da
república não se vê semelhante ato de altivez frente ao estrangeiro. Parece que
isso é coisa de Monarcas. Fica a lição para nosso presidente. O mesmo Dom Pedro
II permitia a liberdade total de expressão, inclusive contra ele mesmo e a
Monarquia, no período de maior liberdade de imprensa jamais vista no Brasil
republicano. Fica o exemplo para o ditador bolivariano.
Hoje, quando
vejo a passividade de nosso (des)governo face aos abusos de outras nações
contra os interesses brasileiros, fico desejando que tivéssemos um Juan Carlos
ou um Pedro II à frente de nosso Estado. E quando olho para o Palácio do
Planalto e para Caracas eu pergunto: por que não se calam?
*Médico Endocrinologista e vice-presidente do Círculo
Monárquico de Montes Claros (CMMOC)
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